25.8.04
O barco do amor
Entre o marasmo informativo já habitual no Verão português e que consegue mesmo suplantar o marasmo informativo do resto do ano, lá se vai encontrando notícia digna de reflexão mais atenta. Que o Zé Maria ande a passear os seus instintos suicidas e a sua genitália pelas ruas de Lisboa não me diz muito. Só me preocupa pensar nas pessoas que já participaram num reality-show ao longo dos últimos anos (e foram bastantes) e no que seria do país se todas começassem a revelar comportamentos psicóticos. Por outro lado, olhando para algumas das “celebridades” que apresentaram reality-shows e no contacto que os concorrentes tiveram com eles, vem-me à ideia a possibilidade de a maluqueira ser contagiosa. Recorde-se a noite negra de Teresa Guilherme que acabou com a popular produtora e apresentadora em pelota no alto da Torre Vasco da Gama a gritar “Quero pila” munida de um megafone? Pouca gente se lembrará porque o caso foi convenientemente abafado mas isso não torna a coisa menos grave.
Depois há mais um episódio do processo Casa Pia que cada vez se parece menos com um processo judicial e mais com uma telenovela australiana de 987 capítulos em que episódios rocambolescos periódicos vão tentando manter a atenção do público quando as audiências começam a baixar. Desta vez, a polémica prendeu-se com a divulgação de conversas gravadas em que gente importante diz coisas que não devia. Outra vez. Ao menos, podia haver originalidade mas não. Não sei se conseguiu surpreender alguém mas, pessoalmente, há muito que sabia que políticos, magistrados e afins vivem com o nariz enfiado no orifício anal dos profissionais da comunicação social e vice-versa. De igual forma, não me surpreendeu o teor das conversas e as acusações mais ou menos veladas que foram feitas. Chegámos a um ponto em que não me parecia mal que se prendesse toda a gente que aparece na televisão e depois se fizesse uma triagem dos que são pedófilos, dos que não são, e dos que, não sendo, já olharam para um rapazinho de doze anos com olhos de gula sodomita.
E a selecção? A selecção de todos nós agora em versão olímpica, cheia de sangue jovem e sedento de medalhas, pela qual decorámos as janelas e varandas do país com bandeiras? Haverá motivo para críticas? Porque foram eliminados na primeira fase por equipas de muito baixa cotação no mundo do futebol internacional? Isso é um pormenor. Não podemos ser mesquinhos e há que ver as coisas de forma mais abrangente. O que os nossos bravos jogadores fizeram foi dar voz à maioria dos portugueses que sempre se mostrou contrária à participação portuguesa na invasão americana do Iraque, oferecendo à selecção iraquiana uma saborosa e rara vitória que fez as alegrias dos desafortunados iraquianos. Quanto à derrota com a Costa Rica, decerto saberão de alguma catástrofe que se abaterá sobre aquele país da América Central em breve e limitaram-se a antecipar uma manifestação de solidariedade.
O assunto que me interessa discutir não é nenhuma das trivialidades acima expostas. Quero falar de forma séria e considerada da visita que o navio da organização holandesa “Women on Waves” fará ao nosso país com o objectivo de facultar a realização de abortos satisfazendo todas as exigências médico-sanitárias e sem ir contra a legislação nacional, visto que as intervenções serão feitas estando o navio em águas internacionais.
Eu acho mal.
E explico porquê.
O aborto é uma coisa muito feia. Implica destruir uma vida humana. Sim, porque o embrião já é um ser humano apesar de, à primeira vista, poder parecer apenas uma massa informe de células com tanto de humano como um rim ou um apêndice. Mas os rins e os apêndices não têm alma, pois não? Pode não ser uma justificação muito racional e poderá parecer absurdo que se tente impor uma convicção tão subjectiva e fundamentada em ideais religiosos a gente que as não partilha mas neste caso tem mesmo de ser. É que um rim, ao contrário do embrião, não contém em si a possibilidade de se vir a tornar um ser humano consciente. O embrião sim. E o espermatozóide também. E o óvulo. E até se pode pensar “ah, então e os litros de esperma que todos os dias e em todo o mundo são privados do seu potencial reprodutivo por indivíduos sem consciência? Não devíamos fazer também alguma coisa a este respeito para sermos coerentes?” Acho que sim. Sou adepto do registo compulsivo dos espermatozóides que cada cidadão (ou cidadã, vivemos tempos confusos) produza de forma a que as autoridades competentes possam pedir contas acerca do paradeiro de cada uma das células sexuais e do fim que tiveram no caso de não terem sido usadas para fertilizar um óvulo. Quem andar para aí a desperdiçar espermatozóides, a derramar futuros prémios Nobel da literatura ou cirurgiões de prestígio internacional em sabe-se lá que circunstâncias (e há gente muito perversa no mundo), merece ser punido de forma severa!
E depois já se sabe como são as mulheres. Se não nos pomos a pau, desatam para aí a abortar por tudo e por nada e qualquer dia temos o país às moscas ou então entregue a ucranianos, brasileiros e marroquinos. Pode parecer machismo mas não é, até porque uma boa parte dos activistas pelo direito à vida (talvez a maior parte) é mulher e elas lá conhecerão melhor que qualquer homem a natureza feminina tão propensa a sacrificar vidas inocentes em troca de uma vida sexual libertina e inconsciente.
Poder-se-á argumentar que os abortistas (nome que vou dar aos partidários da liberalização do aborto para não lhes chamar pura e simplesmente “porcos” que é o que eles são) terão alguma razão. Que liberalizar a interrupção voluntária da gravidez não seria um incentivo à prática de abortos que, dizem eles, é sempre traumática, mas sim deixar à consciência de cada a mulher a decisão sobre o que fazer do seu próprio corpo. Ora isto são disparates inconsequentes influenciados por uma mentalidade radical de esquerda tão em voga no mundo ocidental. Acuse-se a Polónia, a Irlanda ou Portugal de submeterem o livre arbítrio dos seus cidadãos aos princípios religiosos de uma minoria, de permitirem que religião e estado se associem de forma perigosamente promíscuas, coloquem-se estes países no mesmo patamar de outros em que a religião influencia a governação como a Arábia Saudita ou o Irão. Mas nós, os justos, os bons, sabemos que temos razão. E nada do que disserem, nenhuma das manifestações que marcarem, nenhuma das mulheres que forem levadas a tribunal por terem feito um aborto, nenhuma das mulheres que morrem ou ficam com problemas de saúde para o resto da vida por terem sido obrigadas a fazer um aborto clandestino nos fará mudar de ideias.
O navio que agora nos visita é mais uma tentativa de transformar Portugal numa república abortista. Vem da Holanda e isso diz tudo. A Holanda, também conhecida e de forma justificada como “Países Baixos,” é um país construído sobre o deboche. Pouca gente saberá mas a cor da bandeira da família real holandesa, o laranja que se tornou cor identificativa dos holandeses no desporto e fora dele, foi escolhido há séculos por ser a cor referida na Bíblia como sendo a cor da depravação. Em Amesterdão, é difícil perceber se será mais fácil enfiar um charro na boca ou pagar a uma jovem húngara recém-saída da adolescência para enfiar a boca noutra coisa qualquer. Homens podem casar-se com outros homens e mulheres com outras mulheres na Holanda. Diz-se que em breve será possível a realização de casamentos entre noivos de espécies diferentes. Tem fama de ser um país desenvolvido mas, se pensarmos bem, poderemos chamar “desenvolvido” a um país em que uma grande parte da população usa tamancos artesanais de madeira e que está dependente de diques para não ficar submerso pelas águas do mar? Duvido.
Felizmente, temos em Portugal um governo que sabe o que quer e conhece o caminho para lá chegar. O ministério da Defesa Nacional anunciou estar atento a possíveis infracções à lei portuguesa por parte do navio e da sua tripulação e garante que intervirá de forma apropriada se tais infracções se verificarem. Bem haja. Vão fazer abortos para a vossa terra, holandeses do camandro! Que em Portugal mandam os portugueses. Ouviram bem? Se não ouviram, mandem cá a selecção outra vez e nós mostramos ao mundo com quantos parafusos se desfaz uma laranja mecânica.
E há que destacar a visão de Pedro Santana Lopes, um homem que alguns acusam de forma injustificada de ter andado durante anos a prometer cargos no governo em troca de noites de sexo descomprometido se algum dia chegasse a primeiro-ministro, em relação a esta questão do aborto.
Quando se anunciou que Paulo Portas seria o ministro de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, muitos ficaram surpresos, incluindo o próprio ministro. Percebe-se agora o motivo. Santana Lopes, como homem informado que é, sabia que uma coisa destas podia acontecer e estava preparado, sabendo que o perigo viria do mar. Olhou para a lista dos membros do governo, dos membros do governo a sério sem contar com os que só foram nomeados para fazer jeitinhos, e procurou o nome mais indicado para lidar com as questões do aborto. Bagão Félix, antigo ministro da Segurança Social estava queimado. Morais Sarmento não consegue pronunciar correctamente a palavra “aborto.” José Luís Arnaut é ele próprio fruto de um aborto falhado e entregar-lhe uma questão tão problemática despertaria traumas antigos.
Quem estaria acima de qualquer suspeita? Quem conheceria a fundo os problemas da família e se interessaria de forma activa pela sua resolução? Quem teria uma irmã que assume publicamente já ter feito um aborto? Quem representaria de forma segura os valores tradicionais e humanistas que traduzem a essência do ser português? Quem passou a juventude num bairro degradado nos arredores de Almada a dar aconselhamento psicológico a jovens que abortaram? Quem realiza com frequência na sua residência oficial sessões de esclarecimento sobre os malefícios do aborto para jovens do sexo masculino em que todos os participantes são chamados a participar de forma activa e sem roupa? (de forma passiva também mas menos) Paulo Sacadura Cabral Portas, pois então. E ele está vigilante. Ouviram, velhacos neerlandeses? Ponham-se a pau.
É que isto não é o da Joana.
E nem são tão espertos como pensam. Se, por acaso, houvesse por cá alguém que quisesse fazer abortos em clínicas qualificadas, não precisaria de se enfiar num barco em alto mar. Badajoz é já aqui ao lado, seus palermas!1.8.04
Farenaite 7/17
Acerca do realizador americano Michael Moore, há várias opiniões muitas vezes contraditórias. Há os que acham que é um realizador de talento justamente reconhecido pela Academia de Hollywood (que, de vez em quando, lá vai acertando) e os que vêem nele um activista político “liberal” (o que se chama nos Estados Unidos às pessoas a que cá chamamos “de esquerda”) que sacrifica a arte aos seus ideais e não olha a meios para transmitir a sua visão pessoal dos acontecimentos que retrata sem preocupações com objectividade e isenção. Há também os que misturam elementos das duas correntes de opinião.
Pessoalmente, não me preocupa saber quem tem razão. Vi o último filme de Michael Moore recentemente e não me surpreendeu a forma feroz como George W. Bush é atacado e que não pode justificar os arremedos inquisitoriais dos que, por lá, na terra da liberdade e da democracia por excelência, quiseram censurar o filme. São assuntos deles e eu não tenho nada que me meter. É verdade que me faz confusão saber que Bush não venceu (como foi anunciado) as eleições no estado que desempataria os dois candidatos, mesmo sendo o estado em questão governado pelo irmão do actual presidente e em que vários cidadãos não-republicanos viram os seus nomes retirados dos cadernos eleitorais sem justificação plausível, e sendo os votos contados por uma apoiante de um dos candidatos (e não era de Al Gore.) Também me custa perceber, mesmo aceitando a vitória fictícia de Bush na Florida, como é que num país que apregoa as virtudes da democracia pelo mundo fora, indo ao extremo de a tentar impor pela força das armas, o presidente pode não ser o candidato com o maior número de votos, como sucedeu, e tudo porque a eleição do presidente dos Estados Unidos é feita não de forma directa mas por um colégio de representantes dos vários estados para salvaguardar os direitos dos territórios menos povoados, uma preocupação que talvez fizesse sentido no séc. XVIII mas que agora parece algo absurda. Mas é lá com eles. Se gostam do sistema, óptimo. Se não gostam, resolvam o problema sozinhos que ninguém tem nada com isso.
O motivo que me leva a falar em Michael Moore não é a vontade de me dedicar à crítica cinematográfica. Há gente com competência real para o fazer. Nenhum dos críticos profissionais que temos faz parte desse grupo mas isso é outra cantiga.
Não pude deixar de me aperceber de algumas semelhanças entre a situação que se vive nos Estados Unidos e a que a brava gente lusitana enfrenta. Eles são governados por alguém que não foi eleito. Nós também. Quem os governa parece não ter competência para o cargo. Quem nos governa a nós também não. O elenco governativo americano está repleto de personalidades com ligações difíceis de camuflar a interesses económicos diversos. O português também. E isto sem querer duvidar da honestidade dos nossos ministros que são com certeza gente de bem e que só quer trabalhar para fazer de Portugal um país melhor e que não hesita em assumir posições antagónicas aos interesses dos amigos, familiares e colegas de trabalho ao lado dos quais estavam até ao dia da sua tomada de posse, funcionando a cerimónia de tomada de posse como uma espécie de ritual místico de purificação em que o gestor mais ambicioso se transfigura no mais isento dos servidores da causa pública.
O presidente americano tem amizades embaraçosas (elementos da família Bin Laden, membros da família real saudita, empresários corruptos). O primeiro-ministro português tem Cinha Jardim e Margarida Prieto. O americano tem Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Paul Berkowitz, Colin Powell, Condoleeza Rice. O português tem Morais Sarmento, António Mexia, Álvaro Barreto, Fernando Negrão e Teresa Caeiro. O antigo governador do Texas tem ar de bruto, boémio, irresponsável. Como é óbvio, as diferenças entre os dois não se podem fazer sentir em todos os aspectos.
E depois há o patriotismo. Sempre que há no mundo governantes ineptos que não têm qualquer pudor em tornar os pobres mais pobres e os ricos mais ricos, que submetem os interesses do povo a suspeitos interesses de Estado, surge sempre uma necessidade imperiosa de apelar ao patriotismo porque “as pessoas têm de aprender a gostar do seu país” e a “verem o seu país de uma forma positiva” e, enquanto penduram bandeiras e cantam o hino, não vêem o caos da economia, o desemprego a aumentar e os erros de governação que se sucedem como traques num jantar de convívio entre Fernando Mendes e Fernando Rocha.
Nada me move contra o patriotismo. Se se entender o patriotismo como uma espécie de bairrismo saudável consciente daquilo em que somos bons e daquilo que pode ser melhorado e ansioso por aprender com os de fora coisas que nos possam ajudar a resolver o que está mal. O outro patriotismo que se aproxima mais do bairrismo saloio à moda de Manuel Serrão é desprezível. Também não gosto desta coisa das bandeiras penduradas na janela. Chamem-me esquisito mas não gosto. Está bem que até é uma coisa inofensiva e dá colorido mas sempre que vejo uma bandeira pendurada (e elas ainda aí andam, sobrevivendo à tragédia grega do Euro), faz-me sempre pensar que estou na Alemanha dos anos 30. A diferença é que as suásticas do Terceiro Reich que havia de durar mil anos e durou um bocadinho menos (e ainda bem) eram mais ou menos todas iguais e não havia variações de estilo como sucede com a bandeira da República de 1910 que os portugueses prendem com molas ao arame da roupa sem se importar se as quinas estão de pernas para o ar ou se os castelos são torres e garatujos indecifráveis.
Quando o patriotismo resulta de apelos de quem está no poder, é sempre mau sinal e é o pior tipo de patriotismo possível. Basta olhar para a história recente da humanidade para o perceber. Foi mau sinal na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, no Japão expansionista, no Iraque de Saddam, no Portugal do Estado Novo, na Sérvia de Milosevic. Continua a ser mau sinal no Israel dos colonatos (que consegue ofuscar um país democrático, liberal e laico de gente esclarecida erroneamente identificada com um punhado de fanáticos barbudos enfiados em condomínios de luxo no deserto protegidos por metralhadoras e mísseis balísticos), nos Estados Unidos de Bush e no Portugal do triunvirato Durão Barroso-Santana Lopes-José Eduardo Moniz.
No filme de Michael Moore, há um momento em que se refere que são sempre os mais pobres os primeiros a embarcar em euforias patrióticas irracionais. Outra coincidência. Por cá, passa-se exactamente o mesmo. Com a descoberta recente de um orgulho pátrio fajuto sustentado pelos media e por políticos com segundas intenções, são também os mais desgraçados de um país em que os desgraçados são a maioria os mais orgulhosos de ser portugueses, os que mais saltam, os que mais gritam “Portugal Alê Alê,” os que primeiro alinham no conveniente discurso oficial do “chega de estarmos sempre a queixar-nos do que está mal, vamos antes centrar a nossa atenção no que está bem e esquecer o resto.”
Se acho que a culpa de tudo isto é dos partidos do governo (do que foi legitimamente eleito e deste que foi instituído em 17 de Julho por um acto irresponsável de quem por tanto querer parecer imparcial aos interesses do seu partido, acabou por beneficiar de forma injustificada o partido dos outros)? Não acho. Os problemas já vêm de longe e o discurso pseudo-patético-patriótico também.
Se acho que as coisas estariam melhor se tivessem sido convocadas eleições? Melhor talvez não estivessem, tendo em conta que a alternativa mais provável ao actual primeiro-ministro é também ele fruto da escola dos telepolíticos que usam a cadeira de comentador como uma espécie de púlpito de igreja para hipnotizar gente que percebe tanto do pouco que dizem em muitas palavras como perceberia se falassem em latim. Mas confesso que a convocação de eleições me deixaria mais tranquilo. Assusta-me ver tanta gente confessar que realmente o nome convidado pelo presidente da república (a letra minúscula é intencional) para formar governo não será o que maiores competências reunia mas, como vivemos numa democracia, há que respeitar as regras e esta era a solução legítima, quando a outra solução possível era tão ou mais legítima do que esta com a vantagem de estar referida explicitamente na Constituição, enquanto que a solução pela qual se optou apenas ganha legitimidade por omissão na prescrição do que deve ser feito quando um primeiro-ministro se demite. Ou seja, diz-se num artigo que o governo cai com a demissão do primeiro-ministro e noutro que o presidente convida o partido mais votado nas eleições para formar governo sem referir explicitamente o que acontece quando um primeiro-ministro se demite a meio do mandato. E à custa disto, há quem não veja qualquer tipo de problema em ter o país governado por um incapaz certificado desde que se mantenha uma aura de legitimidade institucional fundamentada na falta de clareza ou no esquecimento de quem redigiu a Constituição.
Se acho que as coisas podem piorar ainda mais? Perfeitamente. Com os dois anos que temos pela frente e com o mandato de quatro anos que se seguirá a umas eleições ganhas à custa de desastrosas medidas eleitoralistas e de muito palavreado acerca dos pobres, dos desempregados e dos coitadinhos em geral, temos todas as condições para nos afundarmos ainda mais.
E a partir daí, será um ciclo vicioso. Quando a oposição subir ao poder, tendo constatado que esta maneira de fazer as coisas funciona, por quê mudar? O político moderno já percebeu que, feitas as contas, o que interessa é a história e essa tem uma tendência para ser benévola. Com o passar dos anos, os líderes mais desagradáveis acabam por se transformar sempre em heróis populares. Júlio César, Alexandre, o grande, o rei D. João II que era um tirano da pior espécie e agora é um dos heróis da expansão portuguesa, o Marquês de Pombal. É deixar passar mais uns anos e começarão a ser discutidos os muitos méritos governativos de Salazar. Hitler até nem era um gajo assim tão mau e alguém que fazia aqueles filmes engraçados com o chapéu de coco e a bengala não pode ter sido responsável por um holocausto (no futuro, os registos históricos vão começar a ficar muito confusos).
E de nós que temos de lhes aturar as manias e que sofremos com os seus erros ninguém há-de falar. Fiquem-se com este pensamento reconfortante e tenham um bom resto de Verão.