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9.2.05

Branco

Vou votar em branco. E surpreende-me a maneira como muita gente com quem partilho a minha intenção de voto reage. Acho que reagiriam melhor se dissesse que ia votar no PNR (para quem não sabe, o PNR é um partido fascista acobardado pela lei eleitoral que acha que todos os problemas do país se resolveriam se repatriássemos os imigrantes clandestinos, fechássemos as fronteiras e saíssemos da União Europeia).

Um dos argumentos que mais vezes usam é o de que eu e outros como eu, por votarmos em branco, seremos os responsáveis se, no fim de determinada legislatura, Portugal não for um país perfeito ou, pelo menos, estiver mais próximo de padrões escandinavos de perfeição. Ou seja, e acompanhem-me que isto é difícil de explicar e mais ainda de perceber, eu, ao enfiar o meu boletim de voto na urna tal e qual como o recebi (mas dobrado), sou o responsável pelos erros governativos por excesso e por defeito cometidos pelo partido em que eles, os que põem uma cruz no boletim, votaram e que ganhou ou, não tendo ganho, terá conseguido eleger uma representação parlamentar.

Isto é o mesmo que dizer que quem não vota em ninguém é responsável porque esbanja o seu voto de forma quase onanista, podendo ser esse voto a menos o necessário para permitir eleger o deputado que faria toda a diferença, por exemplo, para dar a maioria absoluta a um partido ou para a retirar a outro.

Para quem assim pensa, votar em branco é um acto irresponsável, correspondendo a uma negação do dever cívico de participação no processo democrático. Também pode ser visto como laxismo ou inconsciência. Ou ainda como preguiça de reflectir nas propostas dos vários partidos e escolher o que nos pareça ter melhores ideias para assegurar um governo eficaz e produtivo. E, com certeza, que o país e o mundo estarão cheios de gente que se enquadra nesta descrição. Estes, os laxistas, os irresponsáveis, os preguiçosos e inconscientes são os que não votam, os que ficam em casa e fazem de conta que não é nada com eles.

Votar em branco é diferente. E compreende-se facilmente que tem de ser diferente porque ninguém se dá ao trabalho de procurar o cartão de eleitor, ir à mesa de voto, esperar na fila (bons tempos em que era preciso esperar na fila para votar), ouvir o nosso nome lido em voz alta e tudo para dobrar um papel e introduzi-lo numa ranhura.

O voto em branco é um acto reflectido e consciente. Quem vota em branco, fá-lo por achar que nenhum dos partidos concorrentes a uma eleição apresenta propostas suficientemente válidas e que valham algo tão precioso como a nossa cruzinha no boletim. E é mais consciente do que votar no partido A para não ganhar o partido B mesmo que se ache que os candidatos do partido A são uns incapazes iguais aos do partido B mas, pelo menos, assim sempre vai havendo alguma variedade.

É esta a verdadeira irresponsabilidade. Ver a democracia como uma espécie de jogo em que se torce pela equipa (partido) do nosso coração e se faz o possível para ganhar ou, caso não seja possível a vitória, para perder por poucos, aplicando o que poderia ser descrito como “voto táctico.”

E, se alguém não se identifica com nenhum dos partidos, não poderá ser culpado por isso. Da mesma forma que ninguém poderá ser culpado por ser um militante convicto do CDS (e daí…). Também há quem não perceba como é possível isto acontecer com a variedade imensa (SARCASMO) de ideais representados pelos vários partidos portugueses. É preciso ser-se mesmo muito esquisito para não conseguir escolher um partido no qual votar. Ou então é porque se tem a mania de ser diferente, o que, como é sabido, é dos piores defeitos que alguém pode ter nesta era de carneirismo encarreirado em que vivemos.

Mas vou votar em branco na mesma. Tentem impedir-me.

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